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Sucessão e Sutentabilidade Empresarial - Marco Tulio Zanini

A qualidade mais admirada do fundador de um grande empreendimento é a capacidade de orquestrar uma entrega consistente de valor no tempo através de um corpo técnico competente que possa dar continuidade a missão iniciada. Não necessariamente estou afirmando em perpetuar uma liderança carismática, mas em conceber um modelo de gestão que seja sustentável ao longo do tempo. Assim, esse empreendimento deixa de ser um evento temporal ancorado a uma única pessoa e passa a representar um bem capaz de gerar riqueza para uma coletividade. Compartilhado não somente pelos contemporâneos de sua fundação, mas também pelas futuras gerações.

Vários casos que acompanhamos sobre a fundação de uma empresa, a ação do fundador é essencial para se empreender a construção do bem coletivo. Porém, na medida em que a organização cresce, se desenvolve e profissionaliza, a dependência da liderança carismática do fundador (ou fundadores) representa um risco indesejável. A existência de um corpo técnico competente e capaz de dar continuidade ao empreendimento iniciado passa a ser fundamental para garantir uma entrega consistente de valor no tempo, e este se torna um termômetro seguro para medir a saúde de sua gestão. É neste sentido que devemos questionar a dependência da liderança carismática do fundador. Não que esta não deva coexistir, mas para a sustentabilidade do empreendimento é necessário trabalhar a institucionalização da competência essencial e o compartilhamento de valores pela gestão da cultura.

Um antigo texto de Max Weber já separava claramente o propósito da liderança carismática de outro tipo de liderança que ele denominou “burocrática”. Com muita propriedade, Weber afirma que o desenvolvimento do capitalismo, da ciência e da democracia, depende do aprimoramento da racionalidade burocrática. Racionalidade burocrática, no entanto, não deve ser confundida nem com “burocratização psíquica”, na qual o executante confunde as regras, normas e procedimentos criados para algum fim com o seu próprio trabalho e sua missão na organização, nem de “burrice burocrática”, em que pessoas trabalham para a burocracia em vez de fazê-la trabalhar para si e para a sua missão. Racionalidade burocrática, como o próprio nome diz, está relacionada ao desenvolvimento de certo tipo de racionalidade. Quando pensamos em estabelecer uma boa governança e uma gestão de excelência, concebendo normas, processos, e uma cultura organizacional voltada para a inovação e ao aprimoramento contínuo, estamos falando em desenvolver esse tipo de racionalidade burocrática, a que Max Weber se referia. Ela transfere a dependência de indivíduos para um sistema.

A autoridade burocrática está fundada na competência técnica e na racionalidade. A autoridade carismática está fundada numa nova visão de mundo, mobilizando os sentimentos dos subordinados em nome de uma causa pela qual, muitas vezes, vale a pena matar ou morrer. Esta se legitima pela fidelidade aos valores que prega e, muitas vezes, também pelo sacrifício em nome da causa. Uma das suas características é a ruptura com o status quo. Estes dois modelos de autoridade podem coexistir. No entanto, para que não nos apeguemos à ideia da necessidade incondicional de uma liderança carismática, é necessário nos perguntarmos: por que precisamos de líderes nas organizações? Certamente precisamos criar mecanismos de coordenação flexível que ampliem o foco na missão e combatam a “burocratização psíquica” e a “burrice burocrática”. Mas o que isso tem a ver com carisma? Muito pouco. Ou talvez nada.

Não raramente, o início de um empreendimento coletivo é marcado pela ação de uma liderança carismática. Apesar de não ser um fator indispensável, a sua ação pode ser bastante positiva, principalmente quando as organizações enfrentam grandes desafios de mudança. No entanto, na medida em que a empresa precisa sobreviver e inovar continuamente, a relevância de uma forma de liderança pela racionalidade deve prevalecer sobre a dependência de uma liderança carismática.

No caso da Apple, o que assistimos foi a despedida de seu brilhante fundador Steve Jobs, que ocorre em todas as empresas. Jobs teve uma importância fundamental e certamente foi o grande responsável pela implementação das virtudes que a empresa assumiu no mercado. Mas não poderia tê-lo feito sem um corpo de profissionais competentes ao seu lado. Para muitos que ainda virão a conhecer a Apple no futuro, a grandeza da sua contribuição não será medida pelo seu carisma, mas pela capacidade de ter criado as condições para se fazer ausente.

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