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Apesar de atuarmos junto a empresas privadas, dediquei parte do meu tempo nos últimos 5 anos realizando uma pesquisa junto às equipes de Operações Especiais no Brasil e nos EUA. No Brasil, investigamos o BOPE (Polícia Militar RJ), a CORE (Polícia Civil RJ) e o COT (Policia Federal). Nos Estados Unidos, estivemos em 6 equipes SWAT e junto as equipes de Operações Especiais dos USMC (Marines). Queríamos compreender os fatores que favoreciam o desenvolvimento de equipes de operações especiais capazes de atuar com maiores taxas de sucesso em cenários tão desafiadores. No Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, a geografia das regiões tomadas pelo tráfico, a densidade populacional, as imbricações das famílias com o tráfico e com as milícias, dentre outros fatores tornavam as operações complexas e arriscadas. Os riscos de vida para os civis e para os policiais envolvidos eram grandes, a contaminação da instituição policial pela corrupção e pelos desmandos era conhecida pela população. Era necessário o surgimento de uma força policial ao mesmo tempo mais efetiva e mais legítima. Mais capaz técnica e institucionalmente. Que conseguisse construir um vínculo com o cidadão. As forças especiais pareciam estar preenchendo esse espaço. Queríamos compreender como.

Começamos o trabalho com um objetivo: queríamos compreender o fenômeno da confiança em situações extremas e a formação do vínculo nas organizações. A confiança é um dos principais ativos intangíveis das organizações contemporâneas, mas o seu estudo em empresas está de tal forma relacionada com questões de natureza econômica e com o jogo político interno, que é difícil compreender o que está na sua essência.

Quando iniciamos o trabalho de investigação nas equipes de operações especiais das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro, esperávamos poder isolar melhor a questão da confiança ao observá-la em situações extremas, onde a vida do policial combatente está em jogo e onde a confiança na equipe parece ser fundamental para o exercício da atividade profissional. Mas acabamos por nos deparar com uma complexidade bem intrigante: o sentido de missão. O que nas organizações produtivas não passa de uma fonte de inspiração longínqua, assume aqui uma centralidade inesperada.

O sentido do trabalho está impregnado de desafios, quase metafísicos, onde as virtudes do herói aparecem de forma nítida e central. A vitória sobre a morte na busca pela libertação dos oprimidos tem o peso épico das grandes batalhas míticas. A energia humana mobilizada para a ação não vem apenas da adrenalina que o corpo libera em situações de alto risco, mas de uma vontade que emerge do fundo da alma, que imprime um sentimento ao mesmo tempo de dever e de desejo por ser o herói capaz de restabelecer alguma justiça nos espaços geográficos onde a alma parece ter abandonado os corpos à opressão da violência. Onde a ausência daquilo que poderíamos chamar de civilização deixa marcas de terror e sofrimento difíceis de descrever. Mas, ao contrário dos cenários épicos, onde papéis e funções estão claramente definidos, no caso específico das equipes de operações especiais no Brasil, especialmente das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, esses sentimentos se misturam em vínculos contaminados. A polícia é uma instituição percebida ao mesmo tempo como heroica e corrupta, com ilhas de excelência, mas parte do Estado, esse corpo maior cheio de doenças históricas com os quais não conseguimos nos identificar como cidadãos ou como servidores públicos.

A identidade do policial de operações especiais no Rio de Janeiro é híbrida, marcada por uma essência que quer ser a do herói, porém, vinculada a identidade do Estado, que é mais percebida como uma fonte dos problemas existentes do que das soluções por ele geradas. As soluções dos heróis são fruto, ora de um talento isolado, ora do sentimento de pertença ao grupo de elite. Algumas vezes essas soluções advêm muito mais da flexibilidade, da inventividade e da coragem dos indivíduos do que das interdependências estruturadas de um sistema de gestão de segurança pública de excelência. Portanto nesses casos, as soluções das quais mais se orgulham os heróis não são resultantes de esforços organizacionais, mas daqueles conseguidos nas brechas, nas possibilidades não gerenciadas a partir do topo, onde o poder político ao mesmo tempo controla e se omite. Ali, onde a vontade de indivíduos específicos encontra possibilidades de atuação não previstas, onde o brio, as virtudes e a ética resistem em um cenário de desconfianças e desordens. Outras vezes, o grupo de elite apresenta soluções heroicas baseado na seleção e predestinação dos poucos eleitos, no pacto de vida e morte, e no sentimento de pertencimento eterno. Fazer parte da equipe é ser eleito para uma missão metafísica.

Embora o contexto empresarial seja muito diferente do militar ou paramilitar das equipes de operações especiais, o binômio liderança & confiança, que identificamos nessas equipes é extremamente inspirador e representa elementos igualmente indispensáveis do contrato corporativo, porém difíceis de serem construídos e mantidos em nossos dias nas empresas. Como observamos anteriormente no livro Liderança baseada em Valores (Migueles & Zanini, 2009) esses elementos representam de certa forma o elo perdido da gestão empresarial, e por isso mesmo empresas e escolas de negócios dedicam tanto tempo e atenção a esses temas.

Referência: A Ponta da Lança. Editora Campus/Elsevier. Rio de Janeiro, Brasil, 2014

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